segunda-feira, 5 de abril de 2010

Todo pedreiro deveria ser ateu

Há mais ou menos uma semana atrás, contratei um pedreiro:

- É o seguinte meu querido: as paredes estão caindo e o telhado está vazando. Quero que você dê um jeito nisso pra mim.
- Dou sim meu patrão. O serviço vai ficar em R$ 350,00.
- Porra! isso tudo, cara?
- Tenho que pagar meu ajudante.
-Ele deveria ter um coração caridoso e fazer o serviço pelo simples sentimento de querer ajudar o próximo. Onde estão os bons costumes nessa vida?!

Ele me deu uma lista com todo o material que deveria comprar; pouca coisa, alguns sacos de cimento, areia e um produto que, segundo ele daria firmeza ao cimento na parede. “Pode confiar meu chefe, é seguro, dou garantia de dez anos para o meu serviço.”

Tudo acertado, me preparei para reforma, sabia que seriam dias desgastantes. Ele me pediu pelo menos dez dias e tudo estaria terminado.

Segunda-feira sete horas da manhã, de ressaca e com olhos de japonês, fui atendê-lo no portão. Nem reconheci a figura:

- Pois não, amigo, o que quer essa hora da manhã?
-Oh! Meu patrão, vim trabalhar.
-Ah! Sim, havia esquecido de você.

Abri o portão e logo ele começou o quebra-quebra dos infernos. Como não conseguia dormir, levantei e fui acompanhar o serviço do infeliz. Ele já não me agradou muito, pois mais parecia um narrador esportivo de rádio. Puta cara chato! O sacana não parava de criticar o pedreiro que havia feito a reforma anterior na minha casa:

- Essa parede tá mais mal feita do que a cara desse safado. Repare que coisa feia! Uma pessoa que faz um serviço desses na casa dos outros não merece o respeito de ninguém.

- Pois é, respondi sonâmbulo.

- Pode deixar meu chefe, isso aqui vai ficar uma maravilha, batendo no peito com muito orgulho ele ainda afirmou, “eu sou diferente dos outros. Eu trabalho com amor!”

Acho que sonhei essa ultima frase, não me recordo se isso foi real mesmo ou apenas um devaneio de um bêbado caindo de sono. Enfim o trabalho começou a andar. Suas críticas ao pobre que não estava presente continuaram: “o safado fez tudo errado, mas eu não, eu sou diferente. Meu trabalho é feito com amor”.

O prazo estipulado no ínicio acabou, mas a obra ainda não havia terminado. Certo dia, quando seu ajudante já não vinha mais, ele teve que quebrar uma parede bem grande nos fundos da casa. Começou logo pela manhã e ao meio dia, debaixo de um sol terrível, ele martelou-a sem parar. Depois do esforço matutino, a luta contra a parede continuou pela tarde com o infeliz se esforçando em dobro. Segundo ele, se não acabasse essa parte naquele mesmo dia, iria atrasar um outro compromisso que já havia confirmado pra dali a dois dias. E a martelada continuava. Seus braços subiam e desciam como num balé visto a distância. Mas que serviço árduo! Eu me cansava só de assistir a esse balé de esforços monstruosos. O que um ser humano não é capaz de fazer para manter sua família!

No caso dele, era bem grande. Quatro filhos seus e mais um enteado de sua segunda esposa. “A meninada lá em casa é um terror, patrão. Comem muito, se eu não trabalhar em dobro, não dá pra alimentar esse povo todo.” Casou-se cedo, o desgraçado, com dezesseis anos já era pai, e viu-se obrigado a colocar a cara no mundo para ganhar sua vida e garantir o leite do bebê que estava por vir.

Seu maior desejo era ser jogador de futebol, fez testes em alguns clubes, mas não obteve sucesso; foi parar numa banda de forró como dançarino. “Eu via mulher nua todo dia, mas só os cantores se divertiam”. Passou dois anos como dançarino dessa banda, mas depois se cansou e voltou para sua terra natal. Jovens e mais jovens perdem suas esperanças de uma vida melhor, com muitos bens materiais e sucesso profissional, por causa da imprudência na cama. Isso acabou se tornando comum no país que disseram ser “a maravilha do futuro”.

Ao fim da tarde, o coitado já vinha pelo fim da parede, minha idéia sobre ele já havia mudado há tempos; passei a admirá-lo por sua garra e força de vontade, mas seus comentários, ou melhor, sua boca sem controle, continuavam a me deixar zonzo e com ânsia de vômito. Fui até a cozinha e preparei um café. Sentei na mesa e pensei comigo como eu tinha uma vida confortável: jovem, não tinha filhos, livre para namorar com quem eu quisesse( desde que ela também me quisesse) não trabalhava, mas dinheiro não me faltava. Minha vida era ótima, mas aquele cara me deixou perplexo com seu esforço descomunal diário. Ele só dependia de si mesmo e muitos dependiam dele, ele era um grande homem, alguém a ser admirado por todos, inclusive por mim, um Hércules moderno, um herói em termos atuais e sem medo como os antigos eu queria ser ele, eu...

Ploft!!!!

-Ah! Graças a Deus eu terminei.

Filho da puta!

Marcos Diego Correia